quinta-feira, 18 de abril de 2013

Monteiro Lobato seria racista?

A adoção de uma obra literária, seja a instituição de ensino pública ou privada, se dá de acordo com uma determinada proposta pedagógica visando, além da formação do hábito de leitura, objetivos mais específicos estabelecidos para cada disciplina/conteúdo.  

Portanto, mesmo um leigo poderia inferir que um livro em que se narre cenas de violência e tortura contra uma criança não deveria ser adotado gratuitamente. Que resultados estariam sendo almejados ao se introduzir o educando nesse universo de extrema brutalidade? 

O autor do conto Negrinha, Monteiro Lobato, descreve com completo pouco caso as torturas a que uma criança negra era submetida... Assim como, no relato da sua morte (que o leitor poderia deduzir ser resultante dos maus tratos),  não lhe dedica, o Autor, qualquer observação que denote um juízo de valor, tudo é tratado como se corriqueiro fosse (E sabemos que, de fato, era):
"Traga o ovo.
Veio o ovo. Dona Inácia mesma pô-lo na água a ferver; e de mãos a cinta, gozando-se na preliberação da tortura, ficou de pé uns minutos, à espera.[...]- Abra a boca!Negrinha abriu a boca, como o cuco, e fechou os olhos. A patroa, então, com uma colher, tirou da água ‘pulando’ o ovo e zás! na boca da pequena. E antes que o urro de dor saísse, suas mãos amordaçaram-na até que o ovo arrefecesse. Negrinha urrou surdamente, pelo nariz. Esperneou. Mas só. (fl. 22).
Morreu na esteirinha rota, abandonada de todos, como um gato sem dono. (fl. 25)[...] A terra papou com indiferença aquela carnezinha de terceira – uma miséria, trinta quilos mal pesados... (fl. 26)"
Então, restaria àqueles que apresentaram a obra ao Ministério da Educação, visando participar da licitação em que o MEC selecionaria obras para o Programa Nacional Biblioteca na Escola, a obrigação de contextualizar o assunto. Não o fizeram alegando não ser necessário. Será que são, realmente, profissionais ou, simplesmente, oportunistas? 

Diante dessa situação, não é possível atinar com o motivo pelo qual há uma classe de intelectuais e de educadores que, em manifestações na Internet, criticaram a iniciativa dos autores da petição, em seu intento de livrar nossas crianças desse enorme engano. Mas é possível atinar com os motivos pelos quais os pais permaneceram inertes, ignorando a questão. 

E ainda tem gente que acha que a redução da maioridade é que vai solucionar a questão da delinquência juvenil. Ignoram que a falta de educação é que mata; ignoram que sem educação não há segurança possível.   Afinal, quantos efetivos policiais e aparatos de segurança seriam compatíveis com turbas cada vez mais numerosas de selvagens, drogados, excluídos de um sistema educacional eficiente?

Os que, agora, põem-se a clamar, até, pela pena de morte, provavelmente advogariam, também, o retorno da palmatória e de outros "hits" pedagógicos do século passado: acreditam que apanhando se aprende. Quem sabe, até, aprovariam o "ovo quente" que a torturadora da obra de Lobato usou para maltratar uma criança indefesa.

Pessoas sádicas, desde que o mundo é mundo, se divertem em atormentar o próximo; o comportamento que Lobato retrata não é pior do que aquele que traficantes impõem, como punição, em comunidades dominadas, e que vemos noticiado pelos jornais... A questão, para além do racismo explícito de Lobato, é a utilização de uma obra com esse teor, em nossas escolas, de forma descuidada. Não é admissível! O descuido, em geral, com a educação é revoltante. Não é à toa que, por aqui, um estudante universitário vale quase oito vezes mais que um estudante do ensino fundamental.

Estão de parabéns os educadores Antonio Gomes da Costa Neto e Elzimar Maria Domingues que ousaram protestar contra a adoção da obra.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

O racismo retratado na literatura e na Bíblia requer contextualização

Recentemente, movimentos sociais de defesa dos negros se manifestaram contra o uso, nas escolas, de obras do escritor Monteiro Lobato, em razão de um suposto cunho racista.  

Muitos se exaltaram contra esses movimentos e em defesa da liberdade de criação, em defesa da obra de Monteiro Lobato...E se equivocaram pois não se tratava de censurar uma obra literária mas de avaliar a adequação do seu uso em sala de aula.

A rigor, nem seria apropriado o uso do termo "racista" para qualificar obras que, escritas no início do século XX,  retratam atitudes corriqueiras no contexto pós-abolição, quando era outro o ordenamento jurídico brasileiro.

Mas é fundamental reconhecer que a fidelidade do autor, ao retratar os costumes da época, como faz  Monteiro Lobato, requer o suporte de uma proposta pedagógica visando a discussão desse contexto, sempre que se adote obras escritas no período. 

Evidentemente, a intelectualidade e os políticos da primeira metade do século XX eram, explicitamente, racistas, com raríssimas exceções. Esse fato não pode ser ignorado pois a personalidade, os valores, os princípios dos autores vão permear a obra. Portanto, será necessário contextualizar.

Nada há, no conto "Negrinha", que denote uma intenção do seu autor, Monteiro Lobato, de denunciar o comportamento escravocrata da patroa que maltratava a personagem-título, uma criança de sete anos. É, simplesmente, um relato, um conto que retrata um período em que as coisas eram como eram. A denúncia, então, precisa ficar por conta de quem orienta a leitura, mostrar que o país, deliberadamente, vem se desvencilhando desse passado vergonhoso, em que era lícito maltratar criancinhas negras.

Foi por essa razão que os Mestres em Educação Antonio Gomes da Costa Neto e Elzimar Maria Domingues pleitearam, junto à CGU, dentre outras providências, "...a suspensão da  distribuição da obra e de aquisições posteriores...".

Alegam, em petição datada de 25/09/2012, que não foram atendidos os requisitos ditados pelo Ministério da Educação para a execução do Programa Nacional Biblioteca na Escola - PNBE uma vez que a obra selecionada, ou seja o conto "Negrinha", não se fazia acompanhar da biografia do autor e contextualização:
"A biografia do(s) autor(es) deverá ser apresentada de forma a enriquecer o projeto gráfico-editorial. Ela deve promover a contextualização do autor e da obra no universo literário. Igualmente, outras informações devem ter por objetivo a ampliação das possibilidades de leitura, em uma linguagem adequada aos jovens, e com informações relevantes e consistentes."
Observaram, os Mestres, que no lugar desses requisitos, constou, apenas, uma apresentação da obra com a seguinte afirmação:
"Trata-se, portanto, de um conto que põe por terra a ideia de um Monteiro Lobato racista. Aqui, ao contrário, ele denuncia de forma categórica um regime desumano que continuava na mentalidade e nos hábitos do senhorio décadas após a abolição."
O fato é que, da leitura de um trecho do conto, transparece a necessidade dessa contextualização, sob pena de se incorrer no grave equívoco de se tratar um episódio de violência contra uma criança negra com a mesma naturalidade com que é perpetrada, pela algoz, e relatada por Monteiro Lobato:
"Conserva Negrinha em casa como remédio para os frenesis. (fl. 21). Ai! Como alivia a gente uma boa roda de cocres bem fincados!... Tinha de contentar-se com isso, judiaria miúda, os níqueis da crueldade. Crocres:  mão fechada com raiva e nós de dedos que cantam no coco do paciente. Puxões de orelha: o torcido, de despegar a concha (bom! bom! Gosto de dar!) e o a duas mãos, o sacudido. A gama inteira de beliscões: do miudinho, com a ponta a unha, à torcida do umbigo, equivalente ao puxão de orelha. A esfregada: roda de tapas, cascudos, pontapés e safanões à uma – divertidíssimo! A vara de marmelo, flexível, cortante: para “doer fino” nada melhor!Era pouco, mas antes isso do que nada (fl. 21).[...] Lá quando em quando vinha um castigo maior para desobstruir o fígado e  matar as saudades do bom tempo."
Os autores da petição fundamentaram-se, também em trechos de cartas escritas por Monteiro Lobato que,  nos dias de hoje, constituiriam prova suficiente do crime de racismo, fosse quem fosse o seu autor:

"Mulatada, em suma. (…) País de mestiços onde o branco não tem força para organizar uma Klux-Klan é país perdido para altos destinos. (…) Um dia se fará justiça ao Klux-Klan; (…) Tivéssemos aí uma defesa dessa ordem, que mantém o negro no seu lugar, e estaríamos hoje livres da peste da imprensa carioca — mulatinho fazendo o jogo do galego, e sempre demolidor porque a mestiçagem do negro destroem (sic) a capacidade construtiva.”
Em carta a Arthur Neiva, Nova York, 1928
"Os negros da África (…) vingaram-se do português de maneira mais terrível, amulatando-o e liquefazendo-o, dando aquela coisa residual que vem dos  subúrbios pela manhã . (…) Como consertar essa gente? Como sermos gente, no concerto dos povos?"
A Godofredo Rangel, 1908.
Se, em relação a Monteiro Lobato, muitos se levantaram tratando quase como uma heresia as sensatas reflexões dos movimentos de negros do país, imaginem, então, se questionarmos o texto bíblico em que o estupro, o assassinato, a matança de crianças é sugerida sem rodeios?

No entanto, valeria, para a Bíblia, as mesmas reflexões: é necessário contextualizar. Se as igrejas não o fazem por considerar o "livro sagrado" irretocável, pelo menos os seus pastores deveriam ser criminalizados todas as vezes em que utilizassem publicamente o texto bíblico para perseguir, injuriar, discriminar os diferentes, negros, judeus e homossexuais.

terça-feira, 16 de abril de 2013

Racismo, anti-semitismo, homofobia

No último domingo, assisti, no Canal Viva, a uma entrevista da jornalista Glória Maria. Ela, que nunca se coloca como vítima, que não exerce qualquer militância, revelou ter sido vítima de racismo, como era de se esperar; afinal, está para nascer o negro que, neste país, não tenha uma história de constrangimento e humilhação para contar. 

Glória, que por muito tempo esteve no jornalismo político da emissora de maior audiência no país, era referida pelo então Presidente da República, João Batista Figueiredo como "aquela neguinha da Globo". 

Lembro, também, de uma entrevista do então Ministro da Igualdade Racial, Edson Santos, que narrou situações que viveu, bastante ilustrativas do preconceito:
"G1 - O senhor poderia contar algum caso?
Edson Santos - Teve um que é de despreparo. Teve um que uma pessoa dentro do avião perguntou se éramos americanos, se falávamos inglês. Disse que não, que éramos brasileiros. Alguém disse: 'ele é ministro'. Daí a pessoa perguntou: 'de qual igreja'. E também quando era vereador, um funcionário de um prédio público falou que não era para entrar no elevador de autoridades.".
Em tal contexto, é justo que nós, negros, tanto quanto os homossexuais e os judeus, repudiemos a citação de versículos da Bíblia, por líderes religiosos seja de que igreja for, que venham a fortalecer estereótipos que identifiquem os negros como raça inferior, amaldiçoada... 

Eis, a seguir, o trecho da bíblia que narra maldição que, segundo o Pastor Marcos Feliciano, pesa sobre os negros africanos e seus descendentes:
"Gênesis 920 E começou Noé a ser lavrador da terra, e plantou uma vinha.
21 E bebeu do vinho, e embebedou-se; e descobriu-se no meio de sua tenda.
22 E viu Cão, o pai de Canaã, a nudez do seu pai, e fê-lo saber a ambos seus irmãos no lado de fora.
23 Então tomaram Sem e Jafé uma capa, e puseram-na sobre ambos os seus ombros, e indo virados para trás, cobriram a nudez do seu pai, e os seus rostos estavam virados, de maneira que não viram a nudez do seu pai.
24 E despertou Noé do seu vinho, e soube o que seu filho menor lhe fizera.
25 E disse: Maldito seja Canaã; servo dos servos seja aos seus irmãos.
26 E disse: Bendito seja o Senhor Deus de Sem; e seja-lhe Canaã por servo."
Pode parecer que discutir esse assunto, já tão repisado, seja desnecessário, porém quando lembramos que os negros foram escravizados e barbaramente torturados, por séculos, em nosso continente, sem que se levantasse uma única voz, dentre os cristãos, contra esse ato criminoso; quando lembramos que o nazismo dizimou milhões de judeus e, também comunistas, sob o silêncio e a omissão de protestantes e de católicos... O que se conclui? Essa multidão de cristãos camuflou baixos e reprováveis sentimentos de sadismo, de anti-semitismo e de racismo, justificando-os com versículos da Bíblia, como já se fizera, antes, quando mulheres, acusadas de bruxaria, foram queimadas vivas, nas fogueiras da inquisição, durante a Idade Média.

Por isso, e por que amo a a justiça e a liberdade, prefiro o livro de Mateus onde as palavras de Jesus indicam claramente um caminho de apreço, de respeito ao próximo:
"...O que queres que vos faça, façais ao próximo... " (Mateus 7:12);
"...Reconcilia-te com teu inimigo enquanto estás com ele no caminho..." (Mateus 5:25);
"..tira primeiro a trave do teu olho e então cuidarás de tirar o argueiro do olho do teu irmão..." (Mateus 7:5);
"...Sede, pois, perfeitos como vosso pai que está nos céus, que faz nascer o sol sobre bons e maus e chover sobre justos e injustos..." (Mateus 5:45).
"Se a vossa justiça não ultrapassar a dos fariseus de modo algum entrareis no reino dos céus."(Mateus 5:20) 
 Por isso (e por que é necessário escolher, minuto a minuto, a semente que se pretende semear, de amor ou de ódio), é que não se pode minimizar os efeitos de mensagens que induzem à segregação e ao desrespeito, ainda que  proferidas por quem se diga inspirado por Deus. 

quinta-feira, 11 de abril de 2013

DNDi e Médicos Sem Fronteiras X Igrejas ricas

Na Revista "O Globo" do último final de semana, a entrevista de um ser humano especial, Eric Stobbaerts, ex Diretor da Organização Médicos sem Fronteiras, atual Diretor Executivo da DNDi - América Latina, uma organização sem fins lucrativos, de pesquisa e desenvolvimento de medicamentos para doenças negligenciadas.

São chamadas de doenças negligenciadas aquelas que, por atingir os mais pobres, não são atendidas pelos laboratórios que não se interessam em produzir medicamentos que não dão lucros. Malária, leishmaniose, Chagas, estão entre as doenças atendidas pelo Programa.

A iniciativa surgiu dentro de outra organização humanitária, Médicos Sem Fronteiras. O surpreendente é o fato de o MSF, ao receber o prêmio Nobel da Paz, ter utilizado o valor do prêmio, a modesta quantia de US$ um milhão, para alavancar programa de tão grande alcance, beneficiando milhões de doentes mundo a fora. É um exemplo de como é simples fazer o bem e vencer barreiras tão solidamente colocadas, como as representadas pelos interesses comerciais de grandes laboratórios.

O MSF -  Médicos Sem Fronteiras, atua no mundo inteiro e atende principalmente em áreas conflagradas. Então, se compararmos o alcance dessa organização, em seus objetivos de fazer o bem a qualquer um, com    o desempenho de igrejas que, em  nosso país, arrecadam fortunas fazendo proselitismo religioso, discriminando e forçando conversões para auferir mais dízimos e construir templos gigantescos...

Se essas igrejas, e seus líderes, tivessem um mínimo de decência, se envergonhariam.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Na Bíblia, a "Ira Divina", o sacrifício de animais, o estupro de mulheres, a escravidão...

Precisamos decidir aonde queremos chegar, definir um alvo, um objetivo a alcançar.
O que queremos: uma sociedade pacífica ou  rumar aos dias passados em que, neste país, negros, índios e judeus eram torturados, assassinados, tudo em nome da conversão ao Cristianismo?

O fato é que a Bíblia justifica atos de barbárie para quantos queiram dar vazão a baixos instintos. Para  pessoas mentalmente desequilibradas, sádicas e psicopatas, há inúmeros versículos que autorizam  crueldades que, em nosso mundo contemporâneo, são condenadas, ainda que praticadas em cenários de guerras:
Isaías 13:15-18
Todo o que for achado será transpassado; e todo o que se unir a ele cairá à espada.
E suas crianças serão despedaçadas perante os seus olhos; as suas casas serão saqueadas, e as suas mulheres violadas.
Portanto, um estado fundamentalista, em que todos sejam obrigados a professar a mesma fé e em que as leis estejam sujeitas ao que prescreve a Bíblia, não serviria aos que almejam a liberdade e o direito de fazer as próprias escolhas; não serviria a quem repudia a violência, a intimidação, não serviria a um país em que o trabalho escravo é combatido:
"Levitico 25:44 a 46 E quanto aos escravos ou às escravas que chegares a possuir, das nações que estiverem ao redor de vós, delas é que os comprareis.45 Também os comprareis dentre os filhos dos estrangeiros que peregrinarem entre vós, tanto dentre esses como dentre as suas famílias que estiverem convosco, que tiverem eles gerado na vossa terra; e vos serão por possessão.46 E deixá-los-eis por herança aos vossos filhos depois de vós, para os herdarem como possessão; desses tomareis os vossos escravos para sempre; mas sobre vossos irmãos, os filhos de Israel, não dominareis com rigor, uns sobre os outros."
A Bíblia precisa ser vista como de fato é, um livro que, se contém prescrições para uma vida de concórdia, também apela aos piores sentimentos humanos de vingança, ódio, medo... Então, importa ser seletivo. Tudo aquilo que, na Bíblia, apontar para o confronto, para o ódio, não poderia ser pregado, propagado, porque tudo está inserido em contextos históricos e geográficos específicos! 

Poderiam ser acatados preceitos bíblicos que incitem a discórdia e o desrespeito a direitos consagrados pela moderna Democracia? Obviamente, não.

A questão é que, convivendo com os segmentos evangélicos, nota-se que a regra em voga é, exatamente, o desapreço à liberdade e aos direitos em nome da submissão ao terror e ao medo apavorante dos castigos divinos. Vide o Pastor Marcos Feliciano, que atribui a morte de John Lennon e dos Mamonas Assassinas a castigo de Deus, vide os milhares de comentários que, na Internet, atribuem, às vítimas de assassinatos e desastres, a culpa pela tragédia sofrida! Vide aqueles que, quando escapam de desastres, dizem-se presunçosamente escolhidos por Deus!

Os castigos divinos relatados na Bíblia são, de fato, assustadores. Quem vive sob o terror jamais decide livremente, quem vive sob o terror renunciou, de antemão, à liberdade. Para estes, a Bíblia precisa ser seguida integralmente e literalmente. E, para os maus dirigentes, convém os discursos ameaçadores. Afinal, quanto maior o temor maior a quantidade de adeptos submetendo cada passo ao crivo da igreja...   

Em Levítico, temos a lembrança do sacrifício de animais para aplacar a Ira Divina: se o homem pecasse, um animal morreria em seu lugar! Para os padrões de agora, sacrificar animais é algo impensável, repugnante! No entanto, persiste, para muitos, a lembrança de um tal ódio divino que somente se aplaca com a morte. Não é justo que sejamos governados, nos dias de hoje, nesse padrão de horror que os evangélicos denominam com um eufemismo: temor de Deus. Eles nem ousam pensar porque, pensando, já estariam pecando.

Vivemos sob uma Constituição que garante a todos viverem segundo as próprias crenças... Logo, se preferem o medo à liberdade, é um direito que têm... Desde que não queiram submeter os demais cidadãos, aqueles que prezam a própria liberdade e capacidade de pensar, lembrando que a Bíblia é particularmente cruel com as mulheres, inclusive autorizando estupros
Isaías 13:9: Eis que vem o dia do SENHOR, horrendo, com furor e ira ardente, para pôr a terra em assolação, e dela destruir os pecadores.
Isaías 13:15-18: Todo o que for achado será transpassado; e todo o que se unir a ele cairá à espada. E suas crianças serão despedaçadas perante os seus olhos; as suas casas serão saqueadas, e as suas mulheres violadas. Eis que eu despertarei contra eles os medos, que não farão caso da prata, nem tampouco desejarão ouro.E os seus arcos despedaçarão os jovens, e não se compadecerão do fruto do ventre; os seus olhos não pouparão aos filhos. 
Números 31:17-18: Agora, pois, matai todo o homem entre as crianças, e matai toda a mulher que conheceu algum homem, deitando-se com ele.Porém, todas as meninas que não conheceram algum homem, deitando-se com ele, deixai-as viver para vós. 
Contudo, é preciso notar que eram outros os tempos e que a mulher era tida como propriedade do homem. E, principalmente, não se pode esquecer que a Bíblia foi escrita, justamente, pelos homens. Mas o fato é que pregadores cristãos não parecem nada preocupados em iluminar esse tema, não estão preocupados em contribuir para uma educação espiritual libertadora... Pena que não existam mecanismos de avaliação do desempenho das igrejas cristãs na formação dos fiéis... Se fossem mais eficientes, se não se restringissem a citar versículos bíblicos para intimidar os fiéis...
Levítico 4  O Senhor ordenou a Moisés:
"Diga aos israelitas: Quando alguém pecar sem intenção, fazendo o que é proibido em qualquer dos mandamentos do Senhor, assim se fará:
"Se for o sacerdote ungido que pecar, trazendo culpa sobre o povo, trará ao Senhor um novilho sem defeito como oferta pelo pecado que cometeu.
Apresentará ao Senhor o novilho na entrada da Tenda do Encontro. Porá a mão sobre a cabeça do novilho que será morto perante o Senhor.
Então o sacerdote ungido pegará um pouco do sangue do novilho e o levará à Tenda do Encontro;
molhará o dedo no sangue e o aspergirá sete vezes perante o Senhor, diante do véu do santuário.
O sacerdote porá um pouco do sangue nas pontas do altar do incenso aromático que está perante o Senhor na Tenda do Encontro. Derramará todo o restante do sangue do novilho na base do altar do holocausto, na entrada da Tenda do Encontro.
Então retirará toda a gordura do novilho da oferta pelo pecado: a gordura que cobre as vísceras e está ligada a elas, os dois rins com a gordura que os cobre e que está perto dos lombos, e o lóbulo do fígado, que ele removerá junto com os rins, como se retira a gordura do boi sacrificado como oferta de comunhão. Então o sacerdote os queimará no altar dos holocaustos.
Mas o couro do novilho e toda a sua carne, bem como a cabeça e as pernas, as vísceras e os excrementos,
isto é, tudo o que restar do novilho, ele os levará para fora do acampamento, a um local cerimonialmente puro, onde se lançam as cinzas. Ali os queimará sobre a lenha de uma fogueira, sobre o monte de cinzas.
"Se for toda a comunidade de Israel que pecar sem intenção, fazendo o que é proibido em qualquer dos mandamentos do Senhor, ainda que não tenha consciência disso, a comunidade será culpada.
Quando tiver consciência do pecado que cometeu, a comunidade trará um novilho como oferta pelo pecado e o apresentará diante da Tenda do Encontro.
As autoridades da comunidade porão as mãos sobre a cabeça do novilho perante o Senhor. E o novilho será morto perante o Senhor.
Então o sacerdote ungido levará um pouco do sangue do novilho para a Tenda do Encontro;
molhará o dedo no sangue e o aspergirá sete vezes perante o Senhor, diante do véu.
Porá o sangue nas pontas do altar que está perante o Senhor na Tenda do Encontro e derramará todo o restante do sangue na base do altar dos holocaustos, na entrada da Tenda do Encontro.
Então retirará toda a gordura do animal e a queimará no altar, e fará com este novilho como fez com o novilho da oferta pelo pecado. Assim o sacerdote fará propiciação por eles, e eles serão perdoados.
Depois levará o novilho para fora do acampamento e o queimará como queimou o primeiro. É oferta pelo pecado da comunidade.
"Quando for um líder que pecar sem intenção, fazendo o que é proibido em qualquer dos mandamentos do Senhor seu Deus, será culpado.
Quando o conscientizarem do seu pecado, trará como oferta um bode sem defeito.
Porá a mão sobre a cabeça do bode, que será morto no local onde o holocausto é sacrificado, perante o Senhor. Esta é a oferta pelo pecado.
Então o sacerdote pegará com o dedo um pouco do sangue da oferta pelo pecado, o porá nas pontas do altar dos holocaustos e derramará o restante do sangue na base do altar do holocausto.
Queimará toda a gordura no altar, como queimou a gordura do sacrifício de comunhão. Assim o sacerdote fará propiciação pelo pecado do líder, e ele será perdoado.
"Se for alguém da comunidade que pecar sem intenção, fazendo o que é proibido em qualquer dos mandamentos do Senhor seu Deus, será culpado.
Quando o conscientizarem do seu pecado, trará como oferta pelo pecado que cometeu uma cabra sem defeito.
Porá a mão sobre a cabeça do animal da oferta pelo pecado, que será morto no lugar dos holocaustos.
Então o sacerdote pegará com o dedo um pouco do sangue, o porá nas pontas do altar dos holocaustos e derramará o restante do sangue na base do altar.
Então retirará toda a gordura, como se retira a gordura do sacrifício de comunhão; o sacerdote a queimará no altar como aroma agradável ao Senhor. Assim o sacerdote fará propiciação por esse homem, e ele será perdoado.
"Se trouxer uma ovelha como oferta pelo pecado, terá que ser sem defeito.
Porá a mão sobre a cabeça do animal, que será morto como oferta pelo pecado no lugar onde é sacrificado o holocausto.
Então o sacerdote pegará com o dedo um pouco do sangue da oferta pelo pecado e o porá nas pontas do altar dos holocaustos, e derramará o restante do sangue na base do altar.
Retirará toda a gordura, como se retira a gordura do cordeiro do sacrifício de comunhão; o sacerdote a queimará no altar, em cima das ofertas dedicadas ao Senhor, preparadas no fogo. Assim o sacerdote fará em favor dele propiciação pelo pecado que cometeu, e ele será perdoado".

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Na Bíblia, crueldade, violência, injustiças incompatíveis com o direito e com valores da civilização

Paradoxalmente, a eleição do Pastor Marcos Feliciano, para a Presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, pode ser vista positivamente por ter suscitado discussões acirradas a cerca dos temas "direitos", "intolerância", "liberdade de expressão"... E mais, os intolerantes saíram do armário e exibiram, orgulhosamente, as próprias limitações.

Com alguma frequência, tenho escrito sobre o assunto "religião" ou, melhor dizendo, sobre a forma com que  religiões são praticadas, em nosso país multicultural, ferindo o direito de muitos e contribuindo para sustentar a ignorância de adeptos, enquanto líderes religiosos enriquecem ilicitamente: do que precisamos? Mais templos ou mais escolas de qualidade?

E, por essa indagação, propus avaliar o desempenho das igrejas, tal como se avalia o desempenho das nossas escolas.

O que incomoda, a quem ouse pensar, é o fato de o número crescente de denominações e templos, se multiplicando vertiginosamente, não corresponder à "pacificação" das personalidades: a violência é crescente e os crentes insistem em um diagnóstico: "Isso é falta de Deus". Pode ser mas, falta de igreja não é, em cada beco, em cada esquina, avista-se uma placa, um convite à prosperidade,  à saúde...

Afinal, o que ensinam as igrejas e a Bíblia? Quantos pastores estariam aptos, intelectualmente e eticamente, a pregar tendo por base o texto bíblico, sem incentivar o ódio e a intolerância?

Desde cedo, cultivo a liberdade de pensamento e de opinião, frequentando religiões diferentes aprendendo a admirar seus ritos e suas mensagens mas repudiando, visceralmente, a submissão a "meias verdades". Claro que a "verdade inteira" não está disponível mas daí a alimentar a minha fé por meio de trechos pinçados da Bíblia, pelo padre, pelo pastor ou por qualquer pregador... Então, decidi ler a bíblia do início. E levei um susto ao constatar que a Bíblia é um livro que relata e prega o uso de violências e crueldades inomináveis! Há salmos em que se clama pelo derramamento do sangue dos inimigos! E há o derramamento do sangue de animais  para purificar os pecados dos homens!

A crença no dever de amar ao próximo e a Deus sobre todas as coisas é incompatível com muitos dos versículos bíblicos que andam na boca de pessoas que pretendem transmitir regras de boa conduta.

Êxodus,7, 17, 18:
Assim diz o SENHOR: Nisto saberás que eu sou o SENHOR: Eis que eu com esta vara, que tenho em minha mão, ferirei as águas que estão no rio, e tornar-se-ão em sangue. E os peixes, que estão no rio, morrerão, e o rio cheirará mal; e os egípcios terão nojo de beber da água do rio.

2 Samuel, 24 - 11 a 23
Levantando-se, pois, Davi pela manhã, veio a palavra do SENHOR ao profeta Gade, vidente de Davi, dizendo:
Vai, e dize a Davi: Assim diz o SENHOR: Três coisas te ofereço; escolhe uma delas, para que ta faça.
Foi, pois, Gade a Davi, e fez-lho saber; e disse-lhe: Queres que sete anos de fome te venham à tua terra; ou que por três meses fujas de teus inimigos, e eles te persigam; ou que por três dias haja peste na tua terra? Delibera agora, e vê que resposta hei de dar ao que me enviou.
Então disse Davi a Gade: Estou em grande angústia; porém caiamos nas mãos do SENHOR, porque muitas são as suas misericórdias; mas nas mãos dos homens não caia eu.
Então enviou o SENHOR a peste a Israel, desde a manhã até ao tempo determinado; e desde Dã até Berseba, morreram setenta mil homens do povo.
Estendendo, pois, o anjo a sua mão sobre Jerusalém, para a destruir, o SENHOR se arrependeu daquele mal; e disse ao anjo que fazia a destruição entre o povo: Basta, agora retira a tua mão. E o anjo do SENHOR estava junto à eira de Araúna, o jebuseu.
E, vendo Davi ao anjo que feria o povo, falou ao SENHOR, dizendo: Eis que eu sou o que pequei, e eu que iniqüamente procedi; porém estas ovelhas que fizeram? Seja, pois, a tua mão contra mim, e contra a casa de meu pai.
E Gade veio naquele mesmo dia a Davi, e disse-lhe: Sobe, levanta ao SENHOR um altar na eira de Araúna, o jebuseu. Davi subiu conforme à palavra de Gade, como o SENHOR lhe tinha ordenado.
E olhou Araúna, e viu que vinham para ele o rei e os seus servos; saiu, pois, Araúna e inclinou-se diante do rei com o rosto em terra. E disse Araúna: Por que vem o rei meu Senhor ao seu servo? E disse Davi: Para comprar de ti esta eira, a fim de edificar nela um altar ao SENHOR, para que este castigo cesse de sobre o povo. Então disse Araúna a Davi: Tome, e ofereça o rei meu senhor o que bem parecer aos seus olhos; eis aí bois para o holocausto, e os trilhos, e o aparelho dos bois para a lenha.
Tudo isto deu Araúna ao rei; disse mais Araúna ao rei: O SENHOR teu Deus tome prazer em ti.

Então, diante das incoerências, não só dos versículos citados mas de muitos outros, que tratam de violência, vingança e injustiça e, pasmem, até do arrependimento do SENHOR (Estendendo, pois, o anjo a sua mão sobre Jerusalém, para a destruir, o SENHOR se arrependeu daquele mal; e disse ao anjo que fazia a destruição entre o povo: Basta, agora retira a tua mão), cabe analisar a Bíblia como livro histórico. Não se pode, simplesmente, invocá-la como pretexto para punir e excluir pessoas como se depreenderia dos versículos seguintes:

"Levítico 18,22: Não se deite com um homem como quem se deita com uma mulher; é repugnante."

"Deuteronômio, 22 - 20, 21:  Se, porém, esta acusação for confirmada, não se achando na moça os sinais da virgindade,  levarão a moça à porta da casa de seu pai, e os homens da sua cidade a apedrejarão até que morra;".

A Declaração Universal dos Direitos Humanos é mais generosa e sábia, permite a convivência e o respeito. E guarda sintonia com outros mandamentos bíblicos, estes sim, adequados a um mundo civilizado.

Mateus 7:1-5
"Não julgueis, para que não sejais julgados.
Porque com o juízo com que julgardes sereis julgados, e com a medida com que tiverdes medido vos hão de medir a vós.
E por que reparas tu no argueiro que está no olho do teu irmão, e não vês a trave que está no teu olho?
Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, estando uma trave no teu?
Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho, e então cuidarás em tirar o argueiro do olho do teu irmão."

Mateus 5:43-47
Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo.
Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus;
Porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos.
Pois, se amardes os que vos amam, que galardão tereis? Não fazem os publicanos também o mesmo?
E, se saudardes unicamente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os publicanos também assim?

Tudo aquilo que, na bíblia, apontar para o confronto, para o ódio, para a exclusão, não poderia ser pregado. Não se deve incitar o ódio entre seres humanos usando palavras bíblicas! 

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Estado Laico x Estado Teocrático

Se é vedado à União estabelecer cultos religiosos ou igrejas... ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança (Art. 19 da CF, a seguir), como explicar que a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados esteja sob a liderança de um Pastor?

Se a Declaração Universal dos Direitos Humanos garante, desde 1948, que todos têm direito a igual  proteção da lei, inclusive contra qualquer discriminação, por que se nega aos homossexuais o direito que tem, os heterossexuais, de constituir união civil e legar herança ao parceiro?

A indignação e a perplexidade dos que protestam contra a permanência de Marcos Feliciano à frente da Comissão de Direitos Humanos é justa. Ele opõe a Bíblia aos direitos universais e constitucionais. Então, que permaneça nos púlpitos, pregando, que renuncie à carreira política... E que não faça muitos adeptos.

Que Deus ilumine a audiência, desse e de outros pastores, para que as más palavras que proferem sejam, de pronto, rejeitadas; que os fiéis, enfim, usem o próprio cérebro, a capacidade de pensar, que deixem de ser tolos, pobres marionetes nas mãos de religiosos que visam a vida material e o enriquecimento à custa de dízimos e da política. Que a liberdade que vivenciamos, no estado laico, seja preservada, que não tenhamos, um dia,  que obedecer a ordens de pastores imbecis e mal intencionados...

Uma prima, muito querida, me narrou a experiência vivida na igreja que frequentava. Ela alegava os próprios afazeres de dona de casa, mãe de família, para convencer o pastor da impossibilidade de estar todo o tempo na igreja. O pastor, manipulador, dizia-se tomado pelo Espírito Santo e que, nessa condição, via o que se passava na casa da minha prima, insinuando que ela estaria preferindo os carinhos do marido ao serviço de Deus... Minha prima, uma sábia, mudou de igreja, simplesmente! Não se submeteu, não acreditou naquele palavrório de um pastor mal intencionado... Simplesmente, porque vivemos em um um estado laico, ela pôde escolher. E se vivesse em uma teocracia? Estaria sujeita ao mando de um mero pastor ..."tomado pelo espírito", como eles gostam de afirmar, para justificar tudo o que engendram, até as torpezas, como essas em que, uma pessoa que se diz religiosa, não hesita em afirmar que a Comissão de Direitos Humanos estava sob o poder de satanás... E, é bem provável que a platéia que o assistia tenha, na ocasião, proclamado muitos "aleluias"...

O problema, agora, é que há pessoas que parecem estar abdicando da capacidade de pensar, de enxergar... Isso é amedrontador... Se levamos a Bíblia ao pé da letra acreditando ter sido ditada por Deus, teríamos que extinguir todas as conquistas femininas modernas que se contrapõem ao texto bíblico e, até,  aplicar a pena de morte a mulheres:

"Deuteronômio, 22
20 Se, porém, esta acusação for confirmada, não se achando na moça os sinais da virgindade,
21 levarão a moça à porta da casa de seu pai, e os homens da sua cidade a apedrejarão até que morra;"
Prefiro as leis terrenas e os textos bíblicos coerentes com a essência do Cristianismo:
"O que quereis que os homens vos façam, fazei-o também a eles". (Lc. 6,31)."
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

Declaração Universal dos Direitos Humanos
Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III)
da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948

"Artigo XVIII
Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular."
"Artigo VII
Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação."

Evangélicos buscam o quê? Estado laico ou estado teocrático?

Brasileiros que, porventura, pretendessem fazer da Bíblia sua única fonte de conhecimento, sua única diretriz para a vida terrena, brasileiros que se recusassem a estudar e a acatar as leis deste país por considerá-las em contradição com o texto bíblico... O que restaria a esses fieis fundamentalistas?  Teriam que conquistar um outro território e fundar um novo estado, um estado teocrático e submeter-se ao poder de governantes-sacerdotes, reconhecendo-os como representantes diretos de Deus, renunciando às liberdades conquistadas, retrocedendo no tempo e vivendo nos moldes do século XVIII...

Brasileiros religiosos, seja qual for a religião praticada, têm o dever de respeitar os direitos dos demais, inclusive dos ateus. O problema é que há um grupo de pessoas empenhadas em inverter essa questão e de fazer crer que o que acontece é o oposto: eles é que estariam sendo desrespeitados em seus direitos. 

É fácil desmascará-los, é suficiente indagar que direitos estariam impedidos de exercer. Na verdade, o que esse grupo rejeita é o exercício de conviver com os outros, os "diferentes". Eles gostariam que os "diferentes" se anulassem, se escondessem, repudiassem a si mesmos, a suas crenças, à sua natureza ... 

Imagens de santos, figuras e símbolos do Candomblé são consideradas afrontas... Basta pesquisar, no google, a expressão "Salve Jorge"... E constatar as sandices que retornam, é inacreditável...
Relacionamento afetivo entre entre pessoas do mesmo sexo, com direito de herança, pensão e etc, reconhecidos, está sendo violentamente rejeitado como se fosse um crime! Aborto terapêutico? Idem.

Mas, são questões da esfera da Justiça e do Direito onde, nos Estados Democráticos, é compulsório admitir que todos são iguais e que a liberdade que assiste a um, aos demais também.

Será tão difícil entender que dois homens, ou duas mulheres, que tenham longa vida em comum e que, juntos, construam um patrimônio, têm o direito de deixar esses bens para o parceiro? 

Quanto aos que creem ser, a Bíblia, um livro de verdades absolutas, esses continuam a ter o direito de assim pensar e de, no exercício desse direito, não se unir a alguém do mesmo sexo, não ter imagens de santos e do Candomblé em casa, de não abortar... Convém lembrar que, na Bíblia, há "verdades absolutas" que ferem os direitos das mulheres, há mensagens incitadoras de violência contra as mulheres:
"Deuteronômio, 22
20 Se, porém, esta acusação for confirmada, não se achando na moça os sinais da virgindade,
21 levarão a moça à porta da casa de seu pai, e os homens da sua cidade a apedrejarão até que morra;"
Por isso, esses grupos religiosos que, lamentavelmente, conseguem levar representantes ao Parlamento, fariam bem se, a par da Bíblia, refletissem sobre os art 5º  e 19 da Constituição Federal e sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos, sempre atentando para o fato de que vivemos em um Estado Laico:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
VI- é inviolável a liberdade de consciência de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
VII- é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;
VIII- ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
Declaração Universal dos Direitos Humanos
Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III)
da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948
Artigo XVIII
Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.
Artigo VII
Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

sexta-feira, 29 de março de 2013

Paternidade irresponsável

A maternidade sempre esteve imposta à mulher, até que a ciência a libertou dessa obrigação. A paternidade  sempre foi controversa, até que a ciência permitiu, ao homem, a conquista de saber-se pai. Então, agora, homem e mulher estão em condições de igualdade. Podem decidir se querem ter filhos. Melhor o verbo no modo subjuntivo: poderiam decidir.

Muitos não decidem porque sequer pensam, agem segundo impulsos; e não assumem consequências. Usufruir a liberdade de decidir é para quem tem boa formação, senso de responsabilidade, caráter, dignidade, respeito ao próximo... E, ainda, há um fator indiscutível: nem todas as pessoas tem perfil para ser mãe, ou pai. Mas vivemos, ainda, resquícios da velha hipocrisia que crê em regras impositivas sobre o que seriam os papeis masculino e feminino, sobre um poder familiar inquestionável, automático,  na educação dos filhos sem que pai, mãe e responsáveis tenham sido, antes, devidamente educados por seus respectivos pais. Nada é automático e milagroso...

Compromisso com a educação de descendentes, em jornadas que vão durar pelo menos vinte anos, exige vontade, determinação, não é fruto de acaso, é preciso muito investimento. Os indivíduos, porém, são o que são, não cabem em moldes, não se ajustam a tolices românticas, propagadas, inadvertidamente, por religiões que ainda pregam o céu e o inferno, em futuro distante, enquanto as pessoas precisam de limites aqui e agora, precisam é se submeter à autoridade de leis... leis terrenas mesmo!

O reconhecimento de autoridades constituídas, seja no âmbito familiar (pai, mãe, responsável) ou fora dele (o Porteiro do Edifício, o Síndico do condomínio, o guarda de trânsito ou o Presidente da República), é o fator mais importante para o convívio em sociedade. Quando se aceita a autoridade de terceiros também são aceitas as regras que dela provém. E, se houver transgressão, o remédio é a punição, em graus variados, desde uma simples advertência, uma cobrança mais incisiva...

É um aprendizado a ser exercitado ainda no seio da família, logo nos primeiros anos de vida. E pouco importa se os responsáveis, na família, são um casal, dois homens, duas mulheres... se são tios, se são irmãos mais velhos... O que conta é se esse responsável assume, efetivamente, as próprias responsabilidades na tarefa de educar, cuidar... Se os casais tradicionais fossem definitivamente eficientes no papel que lhes cabe, não teríamos um verdadeiro surto de más condutas de crianças e jovens aterrorizando professores, em nossas escolas.

Então, ao invés de se contestar o pleiteado direito de gays à adoção, seria interessante discutir a omissão dos pais em geral na educação das nossas crianças. Quem não tem compromisso com a paternidade é que não merece ser pai. Afinal, como ensinou a Ministra Nancy Andrighi, na sentença em que condenou um pai a indenizar a filha por abandono afetivo, se amar  é faculdade  "cuidar é dever." 

Quanto mais falha é a família, maior responsabilidade recai sobre a escola...No entanto, a escola está "doente"... É o que conta o pesquisador Danilo Ferreira de Camargo, Historiador da USP, para quem o adoecimento dos profissionais da educação estaria sendo provocado pelas estruturas das escolas.

Estaríamos, então, em um beco sem saída?

É preciso educar para uma paternidade responsável. Alias,  o Estatuto da Criança e do adolescente faria melhor se definisse com clareza a responsabilidade que cabe aos pais na educação dos filhos e se estabelecesse punição nas omissões. Para tantos que falam em baixar a maior idade e em penalidades mais duras para o menor infrator, parecem se esquecer que pais omissos, preguiçosos, praticamente cúmplices,  é que são verdadeiramente responsáveis por essas vidas precocemente desviadas. 

Na quadra de esporte do meu condomínio, uma placa informa o uso restrito ao período de 8 às 22 horas... E mais, se houver outro condômino aguardando, o uso não poderá se estender por mais de 40 minutos. Adultos, jovens e crianças residentes precisam se submeter, claro. Todos precisam se entender e acatar, é assim em qualquer coletividade.

Por que, nas escolas, parece não existir acordo, entre todos os que dela dependem (pais, alunos, professores, comunidade), quanto à necessidade de se obedecer às regras e de acatar a autoridade dos educadores?  Há pais que ensinam aos filhos que o professor é um empregado, um serviçal remunerado pelas mensalidades que pagam, pelos impostos que recolhem ao Estado... É uma concepção onde o professor seria um subalterno, destituído de autoridade, não muito merecedor de respeito... E esses pais, mereceriam o quê, neste país em que um estudante universitário vale quase oito vezes mais que um estudante do ensino fundamental.?

Uma Diretora de escola municipal agredida a socos, no Rio de Janeiro

Em Santos, aluno agride professora por ter tirado nota baixa;

Mãe de aluno agride professora, em São paulo;

Aluno agride professor por ter sido repreendido, em Bauru e Marília - SP.

Sem ponto final...




segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Assim é, se lhe parece...

Cada pessoa tem o seu modo próprio de compreender as mensagens do cotidiano, qualquer que seja o veículo. O que eu ouço, vejo, leio tem para mim um significado que não será exatamente igual ao que será percebido por outra pessoa. É fácil aceitar essa ideia: "A cada um, segundo lhe parece." Ou, copiando o título da peça teatral escrita pelo dramaturgo italiano Luigi Pirandello:  "Assim é, se lhe parece."

Mas, na prática, não é fácil aceitar a visão estreita, equivocada que algumas pessoas tem de questões nada triviais: há pessoas que defendem Silas Malafaia e todos os pastores que enriqueceram ilicitamente usando o dízimo e a doação de fiéis; há os que encontram argumentos para se alinhar aos políticos que justificam os réus do mensalão; há os estagnados, que parecem viver, ainda, na década de 70 e que se utilizam de vocábulo anacrônico para rotular de "reacionários" os que criticam o governo petista; há os que divulgam, no Facebook, material de propaganda em que se acusa o ministro Joaquim Barbosa de haver rasgado a Constituição! Há um grupo ruidoso que acusa a mídia por tudo e por nada e que se alinha aos que pretendem restringir a liberdade de imprensa... 

E, espanto dos espantos, há aqueles que insistem em comparar atos de corrupção (PT X PSDB) como se os roubos do presente pudessem ser expurgados, perdoados com o uso de uma tola conta de aritmética: quem roubou mais?  "privataria" ou mensalão"?

O partido político pouco importa, a lei é para todos. Ou não? Afinal, roubar é crime, ou não?

Por falar nisso, por que será que não se investiga, de verdade, esse episódio que os petistas chamam de privataria?

Diz o ditado popular: "É apanhando que se aprende."... Lamentavelmente, há pessoas claramente masoquistas, gostam de levar pancada, gostam de fazer papel de trouxas repetindo sandices ditas por políticos que apostam, exatamente, na desinformação e na burrice do povo. E por que esse "povinho", que se acha tão politizado, não busca um bom livro de História do Brasil, de História das Américas, de História Geral, desses que ensinam o básico para alunos da segunda fase do ensino fundamental para iluminar um pouco a própria ignorância?

A ignorância é a mãe da preguiça, a preguiça é a mãe da ignorância... No seio de ambas é gestado o fanatismo, a violência, o preconceito...

Não é fácil se compadecer e ter paciência com a burrice de quem defende o indefensável, de quem absolve a corrupção de governos tidos como bons, de quem louva os corruptores do Cristianismo, esses verdadeiros "vendilhões do templo" dos dias atuais. Não é fácil ter compaixão, principalmente quando o medo se avizinha. E as pessoas sensatas precisam temer esse quase exército de fanáticos que, em nosso país, tenta intimidar os que discordam, os que tem por hábito exercer a capacidade de pensar... Ainda nem deixamos para trás os horrores de guerras e genocídios, recentes, cujos sobreviventes estão aí, narrando a odisseia que enfrentaram para defender a própria vida, marchando a "Marcha da morte" .

Sim, o fanatismo está por aí, vicejando em toda parte. "E o fanatismo assusta, no futebol, na religião e na política...".  É o que nos diz a jornalista Ruth de Aquino, em sua coluna, na Revista Época, quando declara  indignação e vergonha diante dos ataques sofridos por Yoani Sanches, a corajosa cubana que luta pelo simples direito de ir e vir.

É preciso reagir. Discutir essas questões nas redes sociais é um bom começo, enquanto é tempo, antes que os fanáticos, teleguiados por políticos e por religiosos corruptos, venham a cercear o nosso direito de protestar.

Aliás, o próprio Jesus Cristo reagiu fortemente diante da corrupção dos hipócritas que faziam do templo casa de comércio:

João 2:13 Estando próxima a Páscoa dos judeus, subiu Jesus para Jerusalém.
João 2:14 E encontrou no templo os que vendiam bois, ovelhas e pombas e também os cambistas assentados;
João 2:15 tendo feito um azorrague de cordas, expulsou todos do templo, bem como as ovelhas e os bois, derramou pelo chão o dinheiro dos cambistas, virou as mesas
João 2:16 e disse aos que vendiam as pombas: Tirai daqui estas coisas; não façais da casa de meu Pai casa de negócio.

Não deixemos esse mal prosperar porque o que torna possível o sucesso, a longevidade e a crueldade das ditaduras são as pessoas comuns quando se deixam robotizar, conduzir, paparicando um safado qualquer que se faz de "messias". O Nazismo está por aí, com outros arremates, outros acabamentos o nome não faz diferença, a substância é a mesma: demência, crueldade, sede de poder, sede de subjugar...

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Comentário infeliz

Infelizmente, há quem não se compadeça das vítimas do incêndio em Santa Maria. E, por incrível que pareça, essas pessoas se dizem religiosas mas se permitem expressar crueldade e absoluta falta de compaixão em comentários postados em notícias que tem sido veiculadas sobre o assunto. Vejam o comentário a seguir e, pasmem, quem postou se identificou tão convicta se acha da própria opinião:
"M. Dalva Soares: Quando a Igreja católica chama para as missas eles preferiram as boates e baladas noturnas... Agora se arrependem? ótimo que fique como exemplo para os demais... A igreja Católica Ajuda...instrui e educa... a escolha é de cada um... A vida é feita de escolhas... O que acontece de bom ou ruim em nossas vidas, nós escolhemos para nossas vidas.. Não temos o direito de cobrar nada de ninguém... A não ser de nossas escolhas, boas ou más...A vida é assim..."
SIMPLESMENTE NOJENTO!!!! Palavras satânicas!

Mas não é novidade, é assim que alguns "fundamentalistas" cristãos se comportam. E eu tenho arrepios de medo e repulsa dessa turma. São pessoas más, ao estilo Doroteia (da novela Gabriela). O perigo é retornarmos à Inquisição! Quando o menino João Hélio morreu, após ter sido arrastado na cadeirinha do carro da família, houve quem afirmasse que a culpa era dos pais porque, pouco antes de terem sido interceptados pelos bandidos, tinham acabado de sair de uma Casa Espírita. Pessoas que nutrem esse sentimento conseguem ser mais cruéis do que o próprio criminoso porque, por esse raciocínio tortuoso, justificam o ato condenando a vítima!

São Bento, São Jorge, valei-nos, livrai-nos dessa extrema ignorância!



Sempre se fez assim? Por que não fazer melhor?

Postei o texto  "Sempre se fez assim", para desabafar indignação por situação vivida no local de trabalho.
Relendo-o, percebo-o um tanto enigmático, muito pelo cuidado que tive em não expor fatos para não identificar pessoas.

Nunca havia sido tão constrangida, nunca havia me deparado com uma situação de trabalho em que as chefias e os servidores da casa, tidos por experientes, na verdade ignoravam o próprio ofício! O trabalho, que eu fizera com acerto, foi retido pela chefia para uma avaliação, digamos assim, mais cuidadosa, porque tudo foi condenado como se errado estivesse! Eu não fui informada sobre o que se passava e, ao longo de semanas, embora percebesse uma atmosfera estranha, não pude me defender senão pontualmente. Houve ocasiões em que levei "pito" e ouvi insinuações sobre a minha conduta que, para mim, soavam tão destituídas de significado, tão evasivas, que eu mal podia contestar. É que o nível de desinformação dessa chefia era tamanho que ela não conseguia dizer objetivamente o que estava errado.

Aos poucos, fui me inteirando dos problemas daquela administração e soube que o funcionário mais antigo, no setor, tinha somente quatro anos de casa e a chefia, apenas três! Compreendi que, o que pareceu inaceitável para a dita chefia era o fato de os meus conteúdos serem completamente diferentes do que era esperado por ela: eles utilizavam textos-padrão num trabalho de análise de prestação de contas de convênio e, para cada possível ocorrência de irregularidade, havia um texto pronto.  Aquela pessoa, então, trabalhava com respostas prontas e, frente às minhas respostas e conclusões, ditadas por uma experiência de décadas, se confundiu e não usou de bom senso, boa educação e, sobretudo, de humildade para solucionar o impasse que se criou.

Acredito que, quem quer que seja razoavelmente educado, saberá respeitar a experiência e o currículo de quem conta décadas de bons serviços. Logicamente, urbanidade e o trato respeitoso não combinam com posturas arrogantes que, muitas vezes, estão presentes em pessoas alçadas a algum nível de poder. Essas pessoas fecham seus ouvidos e capacidade de raciocínio. E nada os demove da própria prepotência.

Sabe-se que emoções mesquinhas são um desserviço a qualquer grande organização... Quantos de nós já não foi impedido de fazer um bom trabalho porque algum idiota sentiu-se melindrado, ferido, por não ser o autor da ideia? Claro que, na Administração Pública, ninguém está a salvo dessa circunstância. Então, essas emoções mesquinhas, muitas vezes, dominam o cenário. Principalmente quando o fator "política", na pior acepção que esse termo tenha, prepondere sobre o fator "administração", na essência do termo.

Uma das advertências que eu me lembro de ter recebido, que mais me surpreendeu, referiu-se à minha capacidade de redigir. A minha, então, chefe, por sinal uma professora de Português, por formação, me disse a seguinte frase enigmática: "Você escreve muito bem... mas...".  Mas, o quê? E, mais não me foi dito. Parece brincadeira. Mas não é.

Uma outra advertência, não menos surpreendente, foi reduzida  na frase "sempre se fez assim". O que estava em discussão? A minha recusa em aceitar, como regular, a rotina mantida por prefeituras que promoviam saques na boca do caixa para fazer pagamentos e que movimentavam os recursos do convênio para uma segunda conta bancária. O problema é que não havia um "texto padrão" da Casa que classificasse esse tipo de ocorrência como irregularidade. Eu, então, coletei acórdãos do Tribunal de Contas da União-TCU que condenavam esse procedimento para sustentar o meu entendimento... Tudo inútil.

Eu já estava "mal vista", apesar de comprovadamente qualificada ... E o pior, sem remuneração, depois de três meses de trabalho, já que os meus resultados, enquanto estivessem sob questionamento, não poderiam gerar pagamento. Então, optei pela saída. Fazer o quê?

Quem tem juízo e sabe o que faz não pode obedecer... não pode renegar o  próprio conhecimento e se submeter a comandos que se sustentem em argumentos do tipo "sempre se fez assim"...

O que me leva, agora, a retomar esse assunto é constatar que, depois das vidas ceifadas em Santa Maria, prefeituras e governos, pelo país a fora, desencadearam ações de fiscalização que deveriam ser rotina. De repente, servidores públicos desses setores estão em evidência... Nota-se, somente agora, a dimensão que tem esse trabalho para a segurança dos frequentadores de casas de diversão!


Conflitos de interesse, baixa qualificação, desconhecimento quanto ao próprio ofício, são inadmissíveis, podem custar a vida, os sonhos, de muitos, podem resultar em prejuízos milionários para toda a sociedade. Então, é fundamental examinar cuidadosamente o rol de atribuições dos servidores públicos de setores estratégicos e conhecer o regimento interno das respectivas repartições para: cobrar eficiência e seriedade, ao invés de reduzir as críticas a meras zombarias e piadinhas pejorativas em que o servidor público é tratado como palhaço.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Conflitos de interesses, e etc., na Administração Pública

A mídia, que busca o escândalo noticiando atos de corrupção, faria melhor se buscasse, também, conhecer o básico em administração pública e sobre a atuação do servidor público. Afinal, deveria ser um compromisso informar e reduzir distorções entre o fato e a versão que se publica. Muito pelo contrário: perseveram os estereótipos no trato desse tema; persevera a ridicularização do servidor público. Se alguns fazem por merecer e se outros são omissos e coniventes, os demais, incluindo o cidadão contribuinte, precisam conhecer melhor o assunto.

Embora os programas de humor, na TV, e a sociedade, em geral, desqualifiquem esse trabalho, a zoação nunca faz sentido tamanho é o desconhecimento das pessoas que escrevem esses infelizes textos de humor, haja vista o personagem "Lineuzinho" de "A grande família". A verdade, sempre ignorada, é que tarefas desempenhadas pelo servidor público, típicas da Administração Pública Federal, não têm paralelo no setor privado; por isso, requerem formação específica, muito especializada. E  a demanda, no setor privado, para esse perfil, quando ocorre, acaba por ensejar a  ocasião de se utilizar o conhecimento adquirido em prejuízo do cidadão: policiais em segurança privada, fiscais que assessoram os setores fiscalizados, etc., etc., etc. ...

Por isso, a zombaria a cerca da burocracia precisa ser substituída por uma discussão mais séria: que rotinas de segurança e controle poderiam ser suprimidas sem trazer prejuízo aos beneficiários dos serviços prestados pelo Estado? É admissível que servidores públicos sejam proprietários, ou empregados, de empresas privadas, principalmente aquelas que atuem no ramo onde desempenham suas funções? Estranhos à Administração Pública (terceirizados e etc) poderiam ter acesso aos sistemas informatizados que processam os atos de gestão pública (orçamento, contabilidade, pessoal, patrimônio, fiscalização, etc.)?

De cada vez que estoura um escândalo envolvendo o Governo Federal, quando quase tudo vai ao "ventilador", fatos estarrecedores vem à tona. Mas esses fatos não merecem a devida atenção; a mídia atém-se às consequências, ou seja, aos lucros auferidos pelos autores das façanhas. Mas, para quem conheça a Administração Pública, o mais surpreendente é constatar a tranquilidade com que regras são ignoradas por todos (Não só por quem rouba!) aqueles que teriam um papel a desempenhar no controle do setor "assaltado".

Exemplo: recentemente, durante as investigações da "Operação Porto Seguro", veio a público que advogados da união estariam exercendo a advocacia privada, inclusive com suspeita de advogarem contra a União! A Orientação Normativa nº 27/2009, da própria AGU, veda o exercício da advocacia privada aos seus advogados. O que teria acontecido, posteriormente? As explicações da AGU não parecem convincentes.

Agora mesmo, em Santa Maria, segundo a imprensa vem divulgando, uma empresa de propriedade de um bombeiro do municpio seria responsável pelo planejamento de combate a incêndio  da boate Kiss, onde aconteceu a tragédia que vitimou tantos jovens. Como seria possível justificar essa espécie de promiscuidade, onde a instituição responsável por fiscalizar o cumprimento das medidas de prevenção a incêndio, tem em seus quadros o dono de uma empresa privada que presta esse tipo de serviço? Não estaria claro o conflito de interesses?

domingo, 27 de janeiro de 2013

Um antídoto contra o apocalipse: investir no presente, preparar o futuro...

A jornalista Cora Ronai nos oferece interessante reflexão, em seu blog, sobre  "A história e os cheiros." , também publicado em sua coluna do Jornal "O Globo":
"Quando passeio por encantadoras cidades antigas, em que tudo parece cenário de filme de época, nunca me esqueço que, no tempo em que viveram seu auge, as noções de higiene eram bem diferentes das nossas. As ruazinhas estreitas que tanto me encantam eram melequentas e imundas. Bichos de todos os tipos circulavam entre as pessoas, de bodes e vacas a ratos e insetos; ninguém tomava banho; havia esgotos a céu aberto..."
Eu, que pouco saio da minha moderna cidade e que nada conheço do mundo, quando assisto os bem cuidados cenários de novelas de época e os vestuários femininos, tudo tão glamourizado, com tanto luxo, costumo, também, pensar no assunto: esse asseio, essa limpeza, em um tempo de condições higiênicas tão precárias, em que não havia sistema de água e esgoto... É tudo cenário, mesmo, tudo ilusão para hipnotizar, para manter o expectador ligado na imagem.

Em um tempo assim, sem luz elétrica, sem automóveis, sem cidades superpovoadas, a vida corria mais tranquila e, sem dúvida, havia uma certa beleza: apesar da ausência dos recursos trazidos pela ciência e pela  tecnologia, a população era muito menor, as pessoas não se acotovelavam nas moradias típicas de periferia dos grandes centros urbanos, as moradias  eram esparsas, os vizinhos distantes, o ar era mais puro... Mais tarde, os sinais do progresso trazido pela industrialização: a abolição da escravidão, o trabalho do imigrante, a urbanização e uma vida muito, muito mais complexa!

Comparar modos de vidas tão distantes é um recurso usado por estudiosos, por profissionais da ciência. A Ciência, porém, não busca resgatar, busca compreender. Aludir ao passado e pensar em trazê-lo de volta para  ressuscitar as ditas "ilibadas condutas de antigamente",  é coisa de gente ignorante; ou de pessoas mal intencionadas, daquelas que sempre existiram e que, entra século, sai século, lucram com a ignorância alheia.

Há quem compare o modo de vida atual com o período em que se viveu a decadência do Império Romano, chamando a atenção para a devassidão da época. Para essas pessoas, a queda é iminente, vivemos "dias de Sodoma e Gomorra", apregoam nos púlpitos de variadas igrejas... E aterrorizam os crédulos ouvintes que, intimidados e apostando em uma vindoura, "Ira Divina", permanecem refém desses maus pregadores, à espera do apocalipse. Dentre esses crédulos, quantos teriam estudado a história do Império Romano? Preguiçosos, preferem aderir ao discurso dos outros do que se dar ao trabalho de estudar. O Império Romano constituiu-se e sustentou-se a partir de guerras expansionistas, anexando territórios e escravizando as populações vencidas, chegando ao ponto em que a população escrava era numericamente superior a de homens livres...além de outras contradições de ordem política e econômica. Um modelo, em si mesmo, explosivo que, mais tarde ou mais cedo, se esgotaria.

E o que haveria de errado com este nosso "modelo", tão lamentado por falsos moralistas?  Estaria, o erro, na liberdade feminina, nas uniões homossexuais e nas novas famílias?

Na História da Humanidade, as questões econômicas é que foram as motoras de todas as transformações, responsáveis pelo declínio, pela hegemonia desta ou daquela civilização. Portanto, o erro, no presente, repete o passado pois o modelo que persiste baseia-se na expropriação da maioria em benefício de poucos: uma multidão vive a margem dos frutos da riqueza gerada pelo trabalho. No caso brasileiro, onde estão os investimentos em educação, se os resultados são pífios, quase invisíveis? Para onde vai a riqueza gerada pelo trabalho? Quantos políticos honram verdadeiramente o respectivo mandato? A tragédia desta madrugada, em Santa Maria, que poderia ter sido evitada se as autoridades locais tivessem cumprido com o próprio dever: aí está a imoralidade, a indecência, o pecado... Efeitos pirotécnicos sem atender a requisitos de segurança, em ambiente superlotado, tendo por saída uma única porta estreita...

Quanto às famílias, tradicionais ou modernas, continuam aí, na luta... Reiterando o post "Resgatar o quê?": os modelos de famílias, antigos ou modernos, não são os responsáveis por esse estado de coisas..."! Portanto, as igrejas, e as pessoas que as representem, precisam voltar suas "metralhadoras giratórias" para a ação dos políticos e não para a moral sexual dos indivíduos.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Na bíblia, textos desfavoráveis às mulheres...

Falando, ainda, em resgate de valores, moral e bons costumes (proposto pela Lei Estadual 6394/2013), creio ser necessário indagar o que deveria ser resgatado e de que ponto do passado: "Resgatar o que?",  "moral e bons costumes" ditados pela Bíblia? O falso moralismo, a falsa espiritualidade de pessoas mentalmente doentes e que perseguem aqueles que são diferentes?

É preciso lembrar que todos os que levem a Bíblia ao pé da letra, inclusive as próprias mulheres, teriam que retroagir no tempo e abdicar de direitos recém conquistados pois é fato que, para aqueles que enxerguem a Bíblia apenas como livro religioso, a consequência será desconsiderar o contexto histórico de suas preleções... E não se admitirá exclusões; ou seja, tudo precisaria ser acatado, obedecido...Porque tudo teria sido "Divinamente inspirado".

Assim, acomodar uma consciência forjada por conceitos bíblicos ultrapassados ao modo de vida moderno é uma experiência, por certo, bastante complicada; principalmente porque a reflexão é um hábito de poucos; a tendência é que as pessoas sigam "macaqueando" o que ouvem, em pseudos estudos bíblicos.

Um estudioso da bíblia que não tenha cursado, ao menos, o ensino médio... Seria um estudioso? Mas o que se afirma por aí é que "Deus não escolhe os capacitados mas capacita os escolhidos.". Para os que reduzem, assim, as próprias expectativas, o preconceito contra as mulheres, ditas pecadoras, pode prosperar. E a pretexto de qualquer conflito doméstico, essas "verdades" recalcadas, acomodadas no fundo das mentes, eclodem:

Efésios 5
22 Vós, mulheres, submetei-vos a vossos maridos, como ao Senhor;
23 porque o marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da igreja, sendo ele próprio o Salvador do corpo.
24 Mas, assim como a igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres o sejam em tudo a seus maridos.
Timóteo 2
11 A mulher aprenda em silêncio, com toda a sujeição.
12 Não permito, porém, que a mulher ensine, nem use de autoridade sobre o marido, mas que esteja em silêncio.

Colossenses, 3

18 Vós, mulheres, sede submissas a vossos maridos, como convém no Senhor....
Deuteronômio, 22
20 Se, porém, esta acusação for confirmada, não se achando na moça os sinais da virgindade,
21 levarão a moça à porta da casa de seu pai, e os homens da sua cidade a apedrejarão até que morra; porque fez loucura em Israel, prostituindo-se na casa de seu pai. Assim exterminarás o mal do meio de ti.
22 Se um homem for encontrado deitado com mulher que tenha marido, morrerão ambos, o homem que se tiver deitado com a mulher, e a mulher. Assim exterminarás o mal de Israel.
23 Se houver moça virgem desposada e um homem a achar na cidade, e se deitar com ela,
24 trareis ambos à porta daquela cidade, e os apedrejareis até que morram: a moça, porquanto não gritou na cidade, e o homem, porquanto humilhou a mulher do seu próximo. Assim exterminarás o mal do meio de ti.
Vê-se, então, que esses conceitos parecem estar em perfeita sintonia com o comportamento de homens que se julgam proprietários de suas mulheres, que sentem o peso de uma rejeição como uma humilhação inadmissível, que acreditam que mulheres fazem por merecer ataques sexuais porque os provocam. A aplicação de preceitos bíblicos à vida cotidiana incita a violência contra as mulheres, assim como incita a intolerância religiosa: em Manaus, alunos evangélicos recusaram-se a fazer trabalho sobre cultura afro-brasileira.

Em Nova Délhi, na Índia, a violência contra a mulher é cultural e religiosa (assim como em países muçulmanos) e uma mulher, ainda que acompanhada, é ostensivamente assediada: é o que nos conta o colunista Francisco Bosco, em artigo sob o título "Misoginia na Índia".

Então, é preciso estar atento pois a misoginia também habita entre nós. E, todos os que buscam viver de forma verdadeiramente cristã ("ama ao próximo como a ti mesmo...") devem olhar de forma crítica iniciativas que, originadas de grupos religiosos ou de pessoas que os representem, no Parlamento, tenham por objetivo infiltrar, no seio da administração pública, "valores éticos/morais/espirituais" identificados com uma determinada religião.

Afinal, ninguém almeja, por aqui, viver em uma ditadura teocrática, ninguém pretender renunciar às liberdades conquistadas. E, se há mulheres desejosas de receber o tratamento prescrito no texto biblico aqui referido, o melhor é buscar um outro tratamento: o psiquiátrico.

E, como vem acontecendo corriqueiramente, mais uma crueldade perpetrada contra uma mulher, mais uma vingança torpe de um ex-marido que, provavelmente, não será refletida em estatísticas oficiais de modo a que se possa perceber e tratar a questão como ela merece ser tratada: como prioridade absoluta, com objetivos claros de combater essa misoginia escancarada e incentivada por falsos moralismos e falsa espiritualidade, que resulta em homens que tem ódio das mulheres.